Uma ação judicial ajuizada na Vara da Fazenda Pública de Cascavel coloca o Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP) e a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) no centro de uma grave acusação de negligência médica. A família de uma paciente falecida cobra judicialmente R$ 900 mil por danos morais e perda de chance terapêutica, alegando que uma série de falhas médicas, omissões e condutas inadequadas levou à morte prematura da mulher, que inicialmente apresentava um quadro clínico tratável.
Segundo a petição inicial, os fatos tiveram início no dia 17 de julho de 2024, quando a paciente procurou atendimento no HUOP com sintomas agudos de dor abdominal, acompanhada de náuseas e vômitos. O quadro foi inicialmente tratado como possível abdômen agudo inflamatório. Contudo, após a realização de exames de imagem, incluindo uma tomografia computadorizada de abdômen realizada em 18 de julho, foi constatado que o apêndice se encontrava em condições normais, sem sinais que indicassem inflamação ou necessidade de intervenção cirúrgica imediata.
Apesar do resultado técnico que desaconselhava cirurgia, a paciente foi submetida, ainda assim, a um procedimento invasivo realizado por duas médicas residentes. A petição afirma que não houve qualquer registro da presença ou supervisão de um médico preceptor durante o ato cirúrgico, o que representa infração direta às normas de conduta de hospitais-escola.
Dois dias após a cirurgia, a paciente apresentou complicações severas, com diagnóstico de obstrução da artéria mesentérica superior. Foi submetida, então, a uma angioplastia e posteriormente a uma segunda cirurgia, que revelou perfurações intestinais e necrose de tecidos. Segundo o laudo cirúrgico, havia presença de pus na cavidade abdominal, sem explicação clínica coerente, uma vez que o apêndice – foco inicial da suspeita – não estava inflamado. Ainda de acordo com a petição, não houve registro de lavagem da cavidade abdominal durante a primeira cirurgia, o que demonstra falha em procedimentos básicos de assepsia cirúrgica.
A evolução do quadro foi trágica: a paciente faleceu após a sequência de intervenções e agravamento clínico. A ação judicial enfatiza que sua morte poderia ter sido evitada se o atendimento inicial tivesse seguido os protocolos clínicos recomendados para dor abdominal inespecífica. A decisão por operar, mesmo diante de exames que não indicavam urgência cirúrgica, é apontada como tecnicamente equivocada e clinicamente precipitada.
Além disso, a petição menciona que não houve reavaliação adequada dos exames de imagem antes da decisão cirúrgica. A revisão da tomografia e a realização da angioplastia teriam ocorrido tardiamente, comprometendo o tempo de resposta terapêutica e reduzindo as chances de recuperação da paciente.
No campo jurídico, os autores da ação baseiam sua argumentação na responsabilidade objetiva do Estado, prevista no artigo 37, §6º da Constituição Federal, segundo a qual a administração pública responde pelos danos causados por seus agentes, independentemente de comprovação de culpa.
O caso também é sustentado na chamada teoria da “perda de uma chance terapêutica”, amplamente aceita pela jurisprudência nacional. Essa teoria reconhece que, mesmo sem garantia de cura, a falha médica que priva o paciente de uma possibilidade concreta de melhora pode ser passível de indenização. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou essa posição no Recurso Especial 1.662.338/SP, citado na petição, no qual reconheceu que a negligência médica que retarda ou impede o tratamento adequado é suficiente para configurar dano indenizável.
A família requer R$ 450 mil por danos morais, em razão do sofrimento causado pela perda, e mais R$ 450 mil pela perda da chance de recuperação, sustentando que a paciente poderia estar viva se o atendimento tivesse seguido padrões clínicos adequados. A ação também solicita a inversão do ônus da prova, produção de prova pericial médica e expedição de ofícios ao Conselho Regional de Medicina do Paraná e à Comissão de Ética do HUOP para apuração das responsabilidades técnicas envolvidas.
Na peça processual, os autores destacam o abalo emocional causado pela perda precoce de uma figura central da família, que era esposa e mãe presente. A morte, descrita como “absolutamente evitável”, foi atribuída a uma sequência de falhas humanas e institucionais. Segundo a argumentação, o HUOP, na condição de hospital-escola, não assegurou a supervisão adequada dos profissionais em formação, tampouco adotou condutas seguras durante e após a intervenção cirúrgica.
Ao final, a ação ressalta que nenhuma reparação financeira poderá restituir a vida perdida, mas defende que a responsabilização judicial tem também um caráter pedagógico, de modo a sinalizar à instituição e à sociedade que o atendimento médico, sobretudo em hospitais universitários, deve ser conduzido com rigor técnico e respeito absoluto à vida.
O valor atribuído à causa é de R$ 900 mil, e o processo segue aguardando manifestação do réu.
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